terça-feira, 17 de maio de 2011

Um gesto qualquer

Teve aquele tempo que ainda nem nos conhecíamos. Dias de "qualquer-um-serve" e drinques sofisticados pra brindar a rotina de viver com a impressão da morte sem que antes se veja tudo. Gente normal demais cansava, maus hábitos perpetuando-se, eram tempos de arregalar os olhos toda manhã e sacudir o desejo de querer sempre mais. O cartão de crédito e a saúde pagando juros abusivos sem o peito acompanhar a desforra.

A gente descansava as costas num muro gelado e olhava pra tudo. Não consigo viver sozinho, pronto falei. Doa-se coração - interessados, tratar comigo. De repente, amor. Assim, amor. Por acidente, amor. As mentiras das madrugadas dão lugar às verdades que decoro em plena insônia, pra dizer na sua orelha quentinha quando pela manhã você acordar com seu corpo junto ao meu.

Numa dessas, não lembro ter sentido tanto tesão em mil anos. Quando pareço sucumbindo, vem o sotaque moreno do seu cheiro lembrar do quanto sou paranoico, fraco e bobo. A luz da cidade invadindo a janela e tatuando a paisagem urbana em suas costas me faz tão bem. Sua calcinha branca, sem costuras e de menininha cheia de sonhos, sai fácil. Você é a personificação do pecado e por azar não mora ao lado. Com mais doses do seu corpo eu não usaria tantos cigarros fumaçando o som da Dave Matthews Band.

Mas não posso me dizer satisfeito. Embora também não possa dizer que não tente, a cada penetração. Nunca sei o ponto de parar, dormir, não pensar e velar teu sono solene, à luz amarelada dos postes na sua rua. Não sei o ponto de pausar minha ânsia de te amar. Ponto pra ti. Posso amá-la inteira, baseado em um centímetro de corpo, um medo externado, um gesto qualquer. Você é metonímia, pode toda ser significada por uma parte, pode ser a cartilagem molezinha embaixo do seu dedinho do pé. E é por isso que toda vez que você molda condescendente os olhos e as sobrancelhas escoltando um argumento meu, acredito um pouco mais no mundo. Tive sorte de encontrar alguém com suas caras de deboche.

E eu gosto de verdade, mesmo você se arriscando tanto me perder. Eu gosto de quando você dança sem me olhar, em festas free, com sua turma. Noutra ponta, taciturno, no vaivém de um beberico, te vejo. Doce de olhar, leve tal o vento em verões fora de época. Depois dali, relembro de como amar você e seus anéis de cabelo escuros, que parecem livres, posto que, se você é minha, teimo em não acreditar piamente nisso. Aí sorri, para e me procura um pouco. O silêncio no teu samba me pede pra voltar. Me impulsiono e volto. Te agarro de supetão e reavivo um punhado de anseios seus, no meio da pista. Você se joga em pedaços soltos, sempre testando meu engenho de pegá-la no ar. Tento crer que dou conta.

É legal brincar de não ter você, por alguns minutos. Olhar de longe e logo correr te abraçar. Não ter (tendo) e ter. São duas formas de encarar o mundo. Entendo que cada momento tem seu preço, prazo e recompensa. Reaprendo a aproveitá-los. Sempre que paro pra me ouvir, boto fé em nós. Ontem eu pensei seriamente em aceitar suas vírgulas, se você não encucar com minhas reticências. Quem sabe assim a gente permaneça cada dia mais perto, e tão longe de um ponto final.

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