terça-feira, 17 de maio de 2011

"Se você gosta de mulher" - Gabito

"Eu gosto de mulher não pra provar minha masculinidade. O inverso, pra provar minha feminilidade. Experimentá-la, ensaiá-la, rebuscá-la. Afeminado eu, diriam os seguidores mais incivis do meu tuíter. Quase. O afeminado admira a mulher de longe. Quem gosta de mulher, admira dentro, fora, em todas as faces, camadas e labirintos. Porque a devoção nos escapa às mãos peludas. Ela vai aonde a beleza feminina for. Quem vê um corpo, não gosta de mulher. Gosta aquele que vê em cada mulher um planeta com vida.


Me considero um namorado razoável pra bom. Cumpridor das mais emergentes obrigações perante à amada. Dei-me a insolência de pecar. Escarnefuchar um pouco meu comportamento sem arrebiques. Saí da tabacaria com uma revista sobre empreendedorismo vedando a Cleo Pires em desnudo poético na Playboy. Não resisti, poxa vida. Justifiquei, temeroso por um casto castigo: um fim de semana chuvoso sem sexo. Sentença logo revogada e pena convertida em abstenção de folhear a revista em momentos adjacentes ao nosso tão raro amor. Fica pra segunda.

Eu já antecipava meu "não vi e não gostei", visto que minha última aquisição punhete foi a Luciana Vendramini, no longínquo 1987. A nudez estética não decodifica a mulher. Foi feita pra quem não gosta de mulher. Bicos exclamativos, caras reticentes, bocas interrogatórias. Toda mulher nua frente à câmera fotográfica fica com cara de técnico da seleção em entrevista coletiva. O sorriso matinal e remelento é a verdadeira sensualidade. Perversão é beijar morenas antes que escovem seus dentinhos.

E por falar em dentinhos, nada de peitão, bundão, coxão. Mulherão se faz com diminutivos. Gostosona é uma ex-chacrete nos pés da égua. Cleo é gostosinha. O pezinho, o ombrinho, o peitinho, a saboneteirinha, os olhinhos, o cheirinho. E tem a xotinha, não é mesmo, Jorge Amado? Quem gosta de mulher não aumenta suas riquezas, desbeiçando-a num próximo futuro. Mulher é sutileza, mesmo em suas partes mais perigosas. Aquilo abaixo das costas não é uma curva, é uma nuance.

Bem. Eis que deixo minha pequena na portaria. Foi ótimo o fim de semana, beijo, me liga, tchau. Também te amo, com o carro em movimento. Na esquina, vinte e três horas. De assalto nunca ouvi falar. Pego Cleo em meus braços e já na capa vai-se minha dúvida sobre a melhor plataforma de leitura. Nem iPad, nem celulose. Eu leria Augusto Cury ou qualquer coisa contendo vampiros na coxa de Cleo Pires. Se a literatura pós-moderna ganhou som e cliques, o mundo letrado ganhou cheiro e trilha sonora do Chico Buarque na coxa da irmãzinha daquele Fiuk.

Sei dos queixumes do mundo barbado quanto ao ensaio de Cleo. Eu salivei. Ao não revelar o degradê de suas holorosas partes de foro íntimo, e manifestando-se a favor das doenças circulatórias excomungadas pela sociedade, a musa mostra-se nua e não crua. No ponto. O ponto certo de quem gosta de mulher. Fazendo o homem incitar diminutivos, provar feminilidades e inspirar literaturas. Se não houver risco de continência sexual, vale o prazer de folhear. É um ensaio sobre a saboneteira. Se você gosta de mulher, fechará a edição com a estranha sensação de que morena de casa também faz milagre."

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