quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Raspas e Restos

Eu senti aquele trisco na barriga que as pessoas devem sentir quando sabem que chegou a vez. Aquela sensação de possibilidade. Uma espécie de "agora vai" em êxtase cardiovascular. Eu sabia que agora ia pelo jeito bacana, inusitado, marcante e dolorido que a gente se conheceu. Como aqueles casais quarentões e casadões, quando alguém pergunta "mas me conta, como vocês se conheceram?" e aí os dois sintonizam um entreolhar e narram uma história legal. Nós poderíamos ter contado essa historinha com um risinho sacana e uma vermelhidão no rosto. Seria bem bacana.

Primeiro encontro: meu tornozelo inchado e eu evitando chorar na frente de um desconhecido não muito bonito, mas cheiroso, gentil e naturalmente engraçado. Você pedindo um café e três pedras de gelo e a funcionária achando tudo meio estranho. Segundo encontro: pelo mistério que você fez no telefone fiquei com medo de ser levada pra algum parque temático cheio de dinossauros clonados, mas não, um refrigerante no banco da praça foi até mais surpreendente com aquele céu baunilhado e os artistas de rua.

Aí o terceiro encontro, o primeiro beijo, aquela história sobre ensinar violão para crianças órfãs (ou eram cegas?), aquele risoto de legumes naquele seu fogão moderno, aquele vinho "que apresentava uma coloração vermelho-púrpura e era intensamente frutado e complexo e com uma harmônica e encorpada estrutura límpida em seus tons violáceos", e depois outro papo sobre ir devagar, conhecer bem, criar uma atmosfera íntima antes de fazer sexo. E aí, por fim, eu na manhã seguinte procurando meu sutiã atrasada para o brainstorming daquela marca de pepino em conserva, logo na primeira hora. E você dormindo como se não houvesse ontem.

Quarto encontro: refrigerante no banco da praça e sexo na sua casa. Quinto encontro: jantar e sexo na sua casa. Sexto encontro: teve de ser remarcado porque você viajaria cedo pra Taubaté e até agora não voltou, o que é bem compreensível, sei como é, duas semanas é pouco pra usufruir tudo que Taubaté pode oferecer mais e melhor do que eu.

Que eu errei em alguma parte do processo é indiscutível, só estou ligando pela quinta vez porque quero saber mais ou menos onde foi. Talvez eu não tenha me dado conta que no segundo refrigerante na praça nosso relacionamento já havia caído num marasmo, mas você podia ter falado comigo, eu daria um jeito de ter querido suco de laranja ou, quem sabe, poderíamos buscar algum aconselhamento para casais atravessando a crise dos sete dias - com tantos amores não passando da primeira semana, já deve existir algum especialista na área.

Mas eu segui em frente, por mim e por nós dois. Comecei a fingir que você estava ali ainda, cozinhando alguma coisa no seu fogão bacana enquanto cantarolava Al Green e eu passava os 109 canais no seu sofá, com a cara de tédio que nasceu comigo. Eu até falo contigo, como se você fosse minha samambaia. Parece triste, mas ficou mais fácil e confortável assim. Ficou perfeito, na verdade. Porque você foi perfeito até onde soube responder meu chamado, e continuou perfeito nas minhas utopias.

Existem aqueles dias radiantes que a gente acha que sente que chegou a hora. Só que na maioria deles, a realidade tem preguiça de superar os sonhos mágicos desse meu coração, esse que também serve de depósito para restos de amores que me acertam de raspão. Olha, não sei qual dói mais. Quando acaba, quando sentimos que acabou, ou quando a gente precisa cair na real que acabou e já faz tempo.


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