sexta-feira, 19 de novembro de 2010

. Tudo que meu pai não soube ser .

Lembro bem do dia que comecei a perder a inocência que ainda hoje insisto em resgatar. Não esqueço a cena, o mesmo pai que me ensinou nunca mentir rechaçando dois anos de infidelidade sentado na escada com meio cigarro entre os dedos trêmulos. Você sentada na ponta do sofá, desabafada, com mania feminina de sempre se culpar. Naquele dia eu chorei e prometi em segredo não repetir a façanha, ser uma pessoa melhor, o que, convenhamos, não parecia tão árduo.

Mesmo com o trauma de uma infância toda sofrendo dentro do meu corpo pequeno, sem entender porque todos os pais eram divorciados menos os meus, vou morar com aquela que ainda chamo de "môr" com alegria...

Não sei o que me espera lá fora, talvez em meses o mundo, o cotidiano a dois, um apartamento pequeno me engula de arrependimento, mas é justo por não saber que estou indo embora. Eu sou teimosa, mãe, bem sabes. Não vou sossegar enquanto não puder gritar janela afora que ser um homem de família é muito mais que ficar estacado no sofá com a cara de bunda enfiada num jornal de ontem...

É o dia da mudança. É o "vai-ou-racha". Provavelmente nunca vou saber se será melhor assim. Mas preciso saber de uma vez por todas se é mesmo impraticável dividir suíte, tirar o lixo pra rua, passear com o cachorro, fazer supermercado e, ao mesmo tempo, sorrir, contar sobre o trabalho, fazer piadas e desejar todo dia o mesmo homem, no carpete, na frente do William Bonner, às oito da noite de uma terça-feira qualquer, pra desespero da síndica.

Mãe, eu preciso saber. Preciso crer que tenho sorte. Preciso provar que sou mais mulher do que me ensinaram a ser. E se nada for do jeito que imagino, guarde um sonho fresquinho pra mim ou pelo menos aquela bendita força que você sempre mostrou. Pretendo usá-la para nunca dar meu braço a torcer.

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