quarta-feira, 17 de novembro de 2010

. O último samba .

(...) Não se preocupe, vou ficar bem. Ao longo do tempo, pude decorar seus sermões, suas ironias e todas as discussões socráticas, quando você tardava horas falando "cloreto de sódio, cloreto de sódio, cloreto de sódio", quando tudo que você queria dizer era "sal de cozinha" ou "me dê um abraço que me proteja do caos dessa cidade, seu idiota".

Foram-se os risos espalhafatosos, as comédias românticas sem final feliz de todo sábado a noite, as rimas de amor no espelho, o "esta é minha formidável namorada" na apresentação aos colegas, o "que você acha, amor?" no supermercado, as transas escoradas na pia da cozinha, os carnavais na cidade só eu e você, seus medos de trovão, sogro, sogra, cunhado e concunhada.

Enquanto eu pensava só mudar minha barba, as estações climáticas ou a localização do sofá, você me esquecia quietinha. Aliás, onde começou o fim? Em qual beijo você já não era você? O que fez de nós dois matusaléns jantando naquela sala? Foi quando você fechou a porta pra fazer xixi? Em que momento você passou a olhar pra mim e pro zelador com a mesma ternura? Quando deixou de ver graça nas minhas piadas e imitações? E a última vez que sentiu ciúmes de um texto meu? Diz, morena.

Enfim, não importa. Minha bagagem, cheia de planos agora inúteis, long-plays e uma pré-nostalgia da sua omelete de rúcula com tomate seco, estão prontas pra ir, estocadas no lado de fora, na contramão do que eu considerava ser feliz. Só falta seu "tchau, fica com deus" e um beijo morno de dó. Eu sei que você consegue fazê-lo sem chorar. Não é justo terminar com lágrimas essa história que só nos fez sorrir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário