Ela perdeu com ele a virgindade. Todas as virgindades. Dois homens, duas mulheres, dois coalas de pelúcia e um guidão de bicicleta, não sei, procurei não saber de mais coisas. Saber demais me dava ardor no estômago, mas a verdade nua e crua era um tipo de vício meu. Me disse que era doida pelo cara, e que a saudade fica mais nítida em dias nublados. Dá vontade de sofrer às vezes, mas com senso de humor você nota que tudo é uma grande sátira. Até tento rir de tudo, mas as peças que o amor me prega não tem nenhuma graça.
Um dia me contou que apanhou dele, mas não do jeito bacana, aquele sexualmente falando, com pseudo tapas e puxões de cabelo envergonhados. Foram socos e pontapés. Achei a história horrível e fiquei com tesão. Transamos na hora, crus e suarentos, eu me vesti de minhas fantasias agressivas, ela chorou um pouco, não sei o porquê, talvez vontade do outro novamente, ou porque certo momento eu disse que sentia amor, de um jeito meigo e díspar com o calor da hora.
Ela ficou meio estranha depois, e eu brinquei que depressão pós-sexo era direito meu. Cheguei mais perto, toquei seu braço, cuspindo todos aqueles meus jargões "tudo-bem-minha-menina-linda?", "o-que-você-tem-minha-menina-linda?". Chamou aquilo de "fase". Algumas caras e bocas que ela faz são simplesmente cruéis. Sugeri assistirmos um com o Jude Law (ela adora o Jude Law), pra conter os ânimos, mas tem filmes que deviam vir explícitos na classificação: não assista com sua namorada.
Um ataque histérico levou ela a trancar-se no banheiro, antes dos créditos no fim. Reiterei minha preocupação com um pressentimento triste, claramente algo estava fora de ordem. Abracei a porta. Passei pétala por pétala pelo vão no rodapé. Só ouvia gemidos trêmulos, fungadas e o suporte do papel higiênico tilintando no azulejo. Meia hora depois, me sentei no sofá, desgastado, e fiquei mirando a porta cerrada. Então ela saiu. Sentou longe do meu lado. Ficamos estagnados, torcendo para que o silêncio não significasse algum mistério.
Você tá perdendo seu tempo comigo, ela disse. Eu tenho todo tempo do mundo pra perder contigo, eu disse. Aí olhou pra mim. Eu tive medo. Eu traí você, com vários caras, continuou. Descreveu o último. Como ele a abordou na pista, a pegada um pouco mais forte no braço, o jeito diferente de arrancar a calcinha. A cena era meio familiar, mas não liguei. Mas me amava. Não sabia como, mas me amava. Que o amor era facetado, cheio de metáforas, o sexo não, tinha o prazer como único fim. Era difícil explicar, ela se atrapalhava inteira.
Quis saber o que eu achava disso tudo. Com o paladar em fel, eu disse que tudo bem, o corpo é influenciável, aberto a sugestões, a alma não. Era questão de tempo digerir tudo e seguir em frente. Eu ficaria inseguro, claro, mas a segurança é o veneno da relação, uma serpente peçonhenta que encanta ao mesmo tempo que, silenciosamente, trucida-lhe os ossos. Como no cinema, nossa história já começou e só espero que cortem todas as cenas finais. Perdoei. Meu erro é nunca me arrepender do que faço com o coração.
Fim.
- Só agora, muito tempo depois, já separados, ela me contou que foi tudo um truque mórbido pra ver se eu tomava uma atitude que destroçasse aquele marasmo, inspirada em "Closer". Queria provocar um revide, uns tapas de verdade, um dedo em riste que fosse. A ideia não era ser compreensivo, mas sim trair a nós mesmos. Foi tudo uma mentira, eu devia ter desconfiado pelas pernas curtinhas. Mas agora acabou. Sei que valeu a pena quando me pego sorrindo lembrando as loucuras que fizemos.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
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